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Nota de Civil I

segunda-feira, 1 de junho de 2009

RAÍZES DA MITIGAÇÃO DA PENA -Antônio Marcos de J. Ferreira

Como de comum aos neófitos, a iniciação em qualquer ciência é, aos que verdadeiramente se empenham, uma tarefa decerto árdua. Cada área possui suas peculiaridades que intrigam aos incipientes. Na Ciência do Direito não é menos dificultoso o início nos estudos. Ciência sabidamente complexa, requer do estudante uma carga elevada de leitura, acompanhada de uma capacidade de interpretação aguçada.
É certo que, por sermos iniciantes apenas, não possuímos subsídios necessários à arguição do que foi posto por gigantes. A questão da pena na seara penal é uma das nuances do Direito de difícil assimilação – falo por mim e pelos que pensam de forma semelhante.
Sabe-se de toda a evolução ocorrida nesse instituto no decorrer dos séculos. Saindo da punição como forma de reprimir ao condenável pelos deuses, passando pela concessão à vítima ou à sua família do “direito” de vingar o mal causado, depois pela pálida evolução legada pela lei do talionato e pela composição, chega-se, finalmente, à detenção estatal do ius puniendi. Saliente-se que, mesmo após o direito de punir passar a residir nas mãos do Estado, esse fato não afastou o predomínio de penas tidas como desumanas. O Direito Penal Romano, por vezes lançou mão da pena capital; o Direito Penal Germânico é marcado por sua crueldade peculiar e o Direito Penal Canônico reprimindo violentamente os delitos como delictia eclesiastica, que ofendiam o divino.
Mas, em se tratando de mitigação, deve-se, sempre, fazer alusão ao Período Humanitário e aos chamados reformadores. Consoante lição de Bitencourt (2003), a legislação penal vigente na Europa, na metade do século XVIII, justifica a reação tida por alguns pensadores da época. Em oposição a leis que impunham penas consideradas eivadas de crueldade, pensadores do quilate de Montesquieu, Voltaire e Rousseau avidamente opõe-se à forma punitiva vigente. Reside na Revolução Francesa idéias assaz para a mudança de pensamento em relação a tudo o que até ali estava posto. Os princípios norteadores da aplicação do Direito Penal hodierno têm sua gênese nesse período. Com fulcro nas idéias dos pensadores ora citados, pensadores como Cesare de Beccaria, Jhon Howard, Jeremias Bentham, dentre outros, vão desenvolver suas idéias de repúdio à forma punitiva em voga.
Desses, certamente a obra de Beccaria ressoou com maior amplitude nos fundamentos do Direito Penal moderno. Em sua afamada obra “Dos Delitos e das Penas”, o Marquês de Beccaria chamou atenção para a necessidade de reforma no Direito Penal. O ilustre pensador italiano chamara a lume questões como prevenção do delito, proporcionalidade da pena, sua humanização, respeito ao contrato social de Rousseau etc. Dizem alguns penalistas mais apaixonados que a sua obra seria capaz de substituir, sem prejuízo, tudo o que se publicou sobre essa matéria até hoje.
Jhon Howard deteve o seu pensamento na questão penitenciária, apontando os graves problemas existentes nas prisões europeias de sua época. Segundo Cezar Bitencourt, “seu profundo sentimento humanitário” não o permitia aceitar as condições impostas aos que cumpriam pena naquelas condições. Tem início o penitenciarismo e humanização das prisões com esse eminente pensador. A defesa de condições mínimas ao cumprimento das penas tem em Howard um de seus principais precursores, quiçá o principal.
De pensamento não menos crítico e idealizador foi Jeremias Bentham. Suas idéias assemelham-se às de Howard no tocante às condições das prisões de sua época. Fomentara a necessidade de prevenção do delito, bem como a tão defendida humanização das penas.
Isto assente, partamos para o que entende o aluno de Direito hoje em dia acerca da pena. Nas aulas ministradas nas faculdades de Direito é rotineiro e até certo ponto comovente, o discurso ávido dos professores penalistas em defesa do que consideram excessos do jus puniendi estatal e da inobservância de alguns princípios. Registre-se que possuem certa dose de razão. Ademais, na Ciência do Direito, ou melhor, na arte de defender direitos e impor deveres, a linguagem exerce função preponderante. Remetamo-nos ao fabuloso Cícero e veremos que mal não faz o penalista em assim proceder.
Para refletirmos sobre a questão posta em discussão é necessário que se estabeleça um elo entre dois momentos chave. Revolução Francesa (século XVIII) e Constituição Federal brasileira de 1988.
Notoriamente o que liga esse dois eventos separados no tempo é, sem dúvidas, a egressão de períodos sombrios da história de França e Brasil. A Revolução Francesa buscou romper com o absolutismo vigente, o qual não encontrava limites ao seu despotismo. Portanto, o poder absoluto era o inimigo a ser vencido pelos revolucionários. Rompe-se com tudo que havia sido posto, a ponto de os próprios revolucionários temerem as proporções que tal movimento poderia granjear. A nova ordem encontra em si própria a sua explicação e as suas bases. O processo “normal” em que a sociedade civil dá origem ou vem antes do Estado, não havia acontecido naquele país, de modo que a ruptura com o em voga celebra uma nova ordem nascente.
Findado o regime ditatorial em terras brasileiras, nossa sede de democracia nos impele a elaborarmos aquele que seria o nosso Texto Magno. Submeteríamo-nos aos seus ditames, previamente discutidos e acordados. O tão desejado texto erigiu-se em época logo após um dos períodos mais conturbados de nossa história. Fatalmente, os meandros da elaboração desse texto acabariam por “satanizar” a figura do Estado. Soou a sua elaboração como vingança popular. Talvez tenhamos esquecido de que nos submeteríamos a ele também e que o Estado nem sempre toma feições diabólicas, por vezes é a síntese da nossa sociedade.
Não se trata de afirmar que o Direito Penal advém da mesma época da Constituição Federal brasileira, claro e evidente que não, mas a partir do advento da mesma, acentuou-se a necessidade salutar de observância dos preceitos nela consagrados.
Qual o nexo encontrado entre esses dois eventos históricos afinal? Em ambos nota-se o êxodo de períodos opressores, obscuros, protagonizados pelo poder dominante.
Como produto da Revolução Francesa temos, hoje, uma vasta gama de princípios consagrados e defendidos tenazmente pela nossa Constituição Federal. Princípios tão difundidos que se têm a ligeira impressão de ser o Estado o criminoso a todo tempo. Sem dar-se a devida atenção à necessidade de combate eficaz às condutas criminosas. Olvidaram os iluministas e o constituinte de que alguém deve zelar pela dor da vítima e, se no contrato social, nós outorgamos esse direito ao Estado, devemos sim coibir seus excessos, mas não devemos negligenciar, ou melhor, desrespeitar o que foi vítima, condenando o Estado e esquecendo-nos do crime praticado.
Não se trata, em hipótese alguma, de apologia a que se conceda maiores poderes à ordem estatal. O que se quer é uma tomada de postura bem clara ante ao fato criminoso, que perturba a sociedade. Imperioso se faz o total rechaço a qualquer intento contra os bens jurídicos fundamentais, mormente o mais precioso de todos, qual seja, a vida.
Enfim, penso que a mitigação da pena, tão amplamente defendida por vultos da nossa cultura jurídica e por tantos outros em alhures, tem de levar em consideração, também, a natureza humana criminosa, que, na minha modestíssima opinião, continua tão perversa quanto antes, quiçá tenha se aguçado ainda mais.

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